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Batalha da Moeda-bbrbet cassino - Do Último Discurso ao Golpe Fatal

Como parte da retrospectiva sobre os 50 anos do golpe no Chile,bbrbet cassino - o Brasil de Fato reproduz, com exclusividade, trecho do segundo capítulo do livro Setembro vermelho: o golpe de Estado no Chile em 1973, da conspiração às primeiras resistências (Autonomia Literária, 2023), de Olivier Besancenot e Michael Lôwy, que será lançado nesta quinta-feira (21).

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A publicação, segundo os autores, é um documento histórico-ficcional, baseado em vasta pesquisa. “Na elaboração desta narrativa e em vários diálogos que dela fazem parte, buscamos nos manter o mais próximo possível dos fatos conhecidos e documentados, utilizzando algumas vezes, também, nossa imaginação para descrever certas conversas ou encontros. É essa ‘licença artística’ que precisamente faz a diferença entre a nossa contribuição e os trabalhos de historiografia universitária. A atenção volta-se para a dimensão ‘subjetiva’ dos fatos, tal como foram vividos por seus protagonistas, mais do que para o movimento ‘objetivo’ das forças aí presentes”, escrevem na Introdução.

:: Há 50 anos, só uma coisa importava no Chile: sobreviver a um golpe feroz ::

O trecho que o Brasil de Fato publica abaixo reproduz os últimos momentos de resistência dentro do Palácio de La Moneda, sitiado pelas forças golpistas. Além das filhas de Allende, Beatriz e Isabel, estavam no palácio integrantes do gabinete presidencial como a secretária pessoal Miria Contreras, conhecida como "La Payita", o assessor político Joan Garcès, o diretor da TV Nacional Augusto Olivares e membros do GAP (Grupo de Amigos Pessoais), guarda pessoal do presidente formada por militantes do Partido Socialista que passaram por treinamento militar.

9h03, gabinete de Salvador Allende

Os tanques estão agora claramente posicionados na Praça da Constituição, ou seja, bem em frente ao palácio. Ao longe, ouvem-se os primeiros tiros. O presidente dá alguns passos e lança um rápido olhar pela janela. Ele percebe que está tudo perdido. A esperança de que surgisse uma divisão amiga das Forças Armadas se evaporou de uma só vez. Não se trata mais de um Tancazo [tentativa de golpe fracassada meses antes], mas de um verdadeiro putsch militar, liderado pelo Estado-Maior do Exército e pela polícia. As rádios não transmitem mais, exceto a Radio Magallanes, ligada à Unidade Popular. É hora de se dirigir ao povo chileno uma última vez e entrar para a História. Allende pede aos seus aliados para manter a calma no recinto. Cada um permanece em silêncio, consciente do momento trágico e solene que se desenrola naquele instante. Na sede da Radio Magallanes, o jornalista Guillermo Ravest responde:

Guillermo Ravest: Com quem falo?

Allende: Ravest, compañero, preciso entrar no ar imediatamente.

Guillermo Ravest: Dê-me alguns minutos para organizar a gravação.

Allende: Não, compañero, preciso que transmitam minha mensagem imediatamente, não podemos perder tempo.

Ele já havia pensado nesse desfecho mais de uma vez. Todo o compromisso de sua vida política falará por ele. Aliás, ele deixará que sua intuição, forjada no fio da experiência, guie o ritmo ininterrupto de suas palavras para desdobrar, um por um, os argumentos contundentes de sua acusação. Convencido da vocação testamentária desse último discurso para a memória coletiva, Salvador Allende quer convocar a História, denunciar não só os militares desleais, traidores da palavra dada, mas também o sistema capitalista em sua globalidade, sem ocultar a força que, por trás das cortinas, move as marionetes: o imperialismo. Com voz calma, emocionada, onde a indignação se mistura à tristeza, ele começa:

Allende: Pagarei com minha vida a defesa dos princípios que são caros a esta pátria. A vergonha recairá sobre aqueles que traíram suas convicções, renegaram sua própria palavra e se voltaram para a doutrina das Forças Armadas. O povo deve permanecer vigilante, não deve se deixar provocar ou massacrar, mas deve defender suas conquistas. Deve defender o direito de construir uma vida digna e melhor com seu próprio trabalho. A História não para, nem com a repressão, nem com o crime. Este é um estágio a ser superado, um momento difícil. É possível que nos esmaguem, mas o futuro pertencerá ao povo, aos trabalhadores. A humanidade avança em direção à conquista de uma vida melhor.

Esta é provavelmente a última oportunidade que tenho de falar com vocês. As forças da Aeronáutica bombardearam as antenas de rádio.

Minhas palavras não são amargas, mas decepcionadas. Elas são a punição moral para aqueles que traíram o juramento que fizeram (…)

Diante dos acontecimentos, posso dizer aos trabalhadores que eu não renunciarei. Nesta etapa histórica, pagarei com a minha vida minha lealdade ao povo. Digo a vocês que tenho a certeza de que a semente que plantamos na consciência digna do povo chileno não poderá ser extirpada definitivamente. Eles têm a força, eles poderão nos subjugar, mas não poderão impedir os progressos sociais, nem pelo crime, nem pela força.

A História é nossa, é o povo que a faz.

Trabalhadores da minha pátria, quero lhes agradecer pela lealdade que sempre demonstraram, pela confiança que depositaram em um homem que foi apenas o intérprete de um grande desejo de justiça, e que tinha dado a sua palavra de que respeitaria a constituição e a lei. Neste instante, o último em que posso me dirigir a vocês, quero que aproveitem este ensinamento.

O capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação, criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem hoje com a sua tradição: aquela que tinha sido professada pelo general Schneider e que deveria ser reafirmada pelo comandante Araya. É de sua casa, com ajuda estrangeira, que este esperará reconquistar o poder a fim de continuar a defender suas propriedades e seus privilégios.

Eu gostaria de me dirigir à mulher simples da nossa terra, à camponesa que acreditou em nós; à operária que trabalhou duro e à mãe que sempre cuidou bem de seus filhos. Me dirijo aos funcionários do Estado, àqueles que há dias trabalham contra o golpe de Estado, contra aqueles que só defendem os privilégios de uma sociedade capitalista. Me dirijo à juventude, àqueles que cantaram e transmitiram sua alegria e seu espírito de luta. Me dirijo aos chilenos, operários, camponeses, intelectuais, a todos aqueles que serão perseguidos. O fascismo está presente em nosso país já há algum tempo, com os atentados terroristas explodindo pontes, cortando as estradas de ferro, destruindo os oleodutos e gasodutos; tudo sob o silêncio daqueles que tinham a obrigação de intervir. A História os julgará.

Eles certamente calarão a Radio Magallanes, e vocês não poderão mais ouvir o som metálico da minha voz tranquila. Pouco importa, vocês continuarão a me escutar, eu estarei sempre junto de vocês, vocês terão ao menos a lembrança de um homem digno que foi leal à pátria.

O povo deve se defender e não se sacrificar, ele não deve se deixar exterminar e se deixar humilhar. Trabalhadores: eu confio no Chile e no seu destino. Outros homens atravessarão este momento sombrio e amargo em que a traição pretende se impor. Vão adiante sabendo que, cedo ou tarde, os trabalhadores abrirão as grandes alamedas pelas quais passarão homens livres a fim de construir uma sociedade melhor.

Viva o Chile, viva o povo, viva os trabalhadores!

Estas são as minhas últimas palavras, tenho a certeza de que o sacrifício não será em vão e que ao menos isso será uma punição moral para a perfídia, a covardia e a traição.

9h30, primeiro andar de La Moneda

O presidente Allende convoca a todos e passa por todas as salas, salões e corredores para mobilizar as tropas. No ombro, ele tem a ak-47 que lhe fora oferecida por Fidel Castro durante sua visita a Santiago em 1971. Fora, um tanque metralha a fachada do palácio. O eco das deflagrações ressoa até o grande pátio interno. A batalha de La Moneda acaba de começar. Ela opõe o Exército chileno, apoiado pela Força Aérea e os Carabineiros a algumas dezenas de combatentes agrupados em volta de Salvador Allende. Difícil imaginar um combate mais desigual.

9h40, Ministério das Obras Públicas, MOP

Nos andares onde eles se entrincheiraram, os atiradores do GAP, conduzidos por Joaquin, conseguem impedir com valentia a progressão terrestre dos militares, venha ela da praça da Constituição ou da avenida Alameda.

10h, escritório do comando da Aeronáutica, Escola Militar de las Condes, subúrbio de Santiago

O capacete aperta seu crânio fazendo pressão nas suas têmporas. É sempre assim quando Leigh está ansioso. Felizmente, ele soube permanecer plácido nesse tipo de situação. Imperturbável, rodeado de outros altos oficiais, ele organiza as informações que lhe chegam do campo antes de transferi-las uma a uma sobre o impressionante mapa da cidade fixado na parede do quartel general. As ordens de cima, por sua vez, lhe chegam mais lentamente do que ele gostaria. Um ajudante lhe dá precisamente esta informação decisiva e que ele esperava com impaciência: "Ao general Leigh, da parte do general Pinochet, solicita-se que comece o ataque aéreo sobre os telhados do MOP o mais rapidamente possível."

10h03, sala do secretariado presidencial

Beatriz se senta com a expressão desfeita, ela telefona para Miguel: “Eu acabei de ir vê-lo, mas ele ainda está numa ligação. Por outro lado, ele insistiu para que eu lhe passasse a seguinte mensagem: “Diga a Miguel que agora… É a vez dele!”. Segue-se um breve silêncio. Um e outro compreenderam o alcance dessas palavras. Beatriz consegue apenas acrescentar: “Eu espero que vocês consigam organizar o revide. Vamos realmente precisar de vocês…”

10h30, salão Toesca, La Moneda

As trinta pessoas que ele pediu para ver com urgência o encaram. Os membros do GAP, os policiais que se mantiveram leais, os membros do gabinete presidencial, todos estão na expectativa. Allende dá um passo à frente: “Nós temos pouco tempo, então vamos ao essencial: o ultimato e a ameaça de um bombardeio previsto para às 11 horas acabam de nos ser comunicados. A partir de agora, só ficam aqueles e aquelas que realmente o desejarem. Os outros têm o direito de ir embora, sua tarefa foi assegurada até o fim e bem executada. Vocês não têm razão para se envergonhar, acreditem em mim!”. Sem que ninguém tivesse combinado, a resposta foi unânime: ninguém quer partir. Sobretudo Beatriz, que se levanta para já se colocar em ação. Sua irmã Isabel, também presente, faz o mesmo. Salvador lança a elas um olhar furioso.

10h43, dependências do Palácio de La Moneda

Luis Orlando Lagos Vasquez, vulgo “Chico”, fotógrafo pessoal da Presidência, acompanha, do interior do palácio, os deslocamentos realizados por Salvador Allende e seus seguranças. Estes últimos adentram as dependências do edifício para estabelecer a trajetória eventual de um bombardeio seguindo os movimentos dos aviões nos céus. Na foto, Salvador Allende, capacete na cabeça, metralhadora a tiracolo sobre o ombro direito, aparece ao lado de seus dois camaradas armados do GAP diante do enquadramento de uma porta de madeira, sobre o que se assemelha a um balcão ou a um terraço. Os três têm os olhos fixos no céu, orientados na mesma direção, levemente para a esquerda. Adivinha-se nesta cena que os ataques são iminentes. Sem perder um segundo, “Chico” retira os negativos da sua câmera e os esconde em sua roupa de baixo na esperança de conseguir tirá-los de La Moneda o mais rapidamente possível.


Na manhã do dia 11 de setembro, de 1973, Salvador Allende anuncia resistência ao golpe no Palácio La Moneda, no Chile / Foto: Luis Orlando Lagos Vásques

10h50, posto de comando da Aeronáutica

O oficial das FACH encarregado de transmitir a sentença dos putschistas ao escritório presidencial parece tirar um prazer sádico em debulhar a sua mensagem: “Último aviso, façam sair as mulheres em três minutos antes que o bombardeio comece. Vocês já perderam trinta segundos…”.

10h56, porta Morandé, La Moneda

Não é fácil mascarar o sofrimento íntimo que os submerge. O que resta é se ater à determinação que o momento presente dele exige. Ele foi obrigado a elevar o tom com elas, ele não gosta disso, mas existia outra solução? Suas duas primeiras tentativas tinham sido infrutíferas, então, ele não teve outra escolha senão lhes impor uma decisão de autoridade. Às suas filhas, ele acaba de dar uma ordem: “Eu exijo que vocês partam!”. Sem se consultarem, Beatriz e Isabel instintivamente compreenderam que objetivamente, a partir de agora, a presença delas constituiria, sobretudo, uma preocupação a mais para ele. Estava fora de questão, para elas, sobrecarregá-lo ainda mais com outras preocupações, levando em conta todos os outros assuntos decisivos que o esperavam e que faltavam ser definidos. Mas fora um dilema. Para Beatriz, em particular, Salvador tinha dado esta instrução sob a forma de missão política, uma ação que ele exigia que ela executasse em seu nome: ajudar a resistência a se organizar no exterior. Conhecendo seu ponto fraco, ele sabia pertinentemente que ela não deixaria o palácio a não ser contra a sua vontade, de tanto que seu desejo de lutar ao lado de seu pai era profundo. Foi com a morte na alma que as duas irmãs acabaram por aceitar partir.

Eis então os três reunidos na soleira da porta Morandé, expressando-se apenas por gestos, cada um gravando em sua memória estes instantes que já parecem um adeus.

11h05, térreo de La Moneda

Nas beiradas de um pátio, uma breve discussão entre Salvador Allende e um grupo de vários combatentes do GAP termina: “Diga a Joaquin que interrompemos a operação. Sem fuga pelo estacionamento! Fechem a porta Morandé depois de terem certeza de que todos aqueles que desejam possam evacuar o local enquanto ainda há tempo.”

11h20, no céu, sobre o Palácio de La Moneda

Os dois aviões Hawker Hunter que decolaram pela manhã de Concepción sobrevoam agora o Palácio de La Moneda. Eles executam uma primeira passagem, fazem um retorno e voltam na direção do alvo a aproximadamente nove mil metros de altitude. Um pouco antes das 11h30, o primeiro avião lança seus mísseis, que explodem contra a fachada norte. O segundo assume imediatamente seu turno e dispara seus mísseis com ainda mais precisão: eles atingem diretamente o teto.

11h30, Palácio de La Moneda

Um estrondo de cerâmica quebrada! Uma fumaça espessa sufocante e um turbilhão de poeira se apoderam do interior do palácio. O chão do edifício treme por toda parte. O grande vitral da entrada do hall voa em pedaços sob o impacto da explosão, inúmeros incêndios irrompem pelos andares. Os canos de água se rompem, o térreo está inundado. Impossível respirar ou ver a mais de um metro de distância. Uma voz chama, gritando para quem puder ouvir: "Máscaras de gás, camaradas, precisamos de máscaras de gás por aqui!".

11h35, primeiro andar de La Moneda

Sylvio e Manque correm de um lado para o outro entre as janelas, escapando por pouco de tropeçar nos escombros produzidos pela explosão. A cada abertura, eles posicionam metralhadoras e correm de uma para outra para atirar nos soldados que aproveitaram o caos causado pelos bombardeios para avançar em direção ao palácio. Os dois membros do GAP se revezam incansavelmente e impedem qualquer avanço dos invasores, forçados a recuar diante do que parece, visto de baixo, como a resistência de uma unidade de combate inteira.

13h, mezzanino de La Moneda

No patamar central que liga os andares a vários pátios, um corpo está caído, encolhido ao meio no escuro. Seu braço está estendido, seu rosto desfigurado, parte de seu cérebro explodiu. O Dr. Arturo Jirón tenta em vão reanimá-lo, mas o tiro de fuzil foi fatal. Augusto Olivares acaba de cometer suicídio. Alertado, Salvador Allende desce os degraus com urgência, seu rosto contraído de dor. Ele consegue articular algumas palavras e pede aos camaradas presentes que respeitem imediatamente um minuto de silêncio em memória de seu amigo. No caos, em meio aos combates e às chamas, todos se reúnem então em torno do corpo daquele que foi o primeiro morto na tomada do Palácio de La Moneda.


11h30, pátio de La Moneda

"Miria Contreras, La Payita, com a bandeira de 1810 na mão, junto a Salvador Allende.Desta vez, acabou", explica ele, pegando seu braço com carinho: "é hora de se render. Saiam primeiro, não se preocupem, vai ficar tudo bem!". Salvador Allende finalmente consegue convencer Miria, La Payita, a se juntar ao cortejo que se apressa para se entregar como prisioneiros às Forças Armadas que estão do lado de fora. "E desta vez, não tente se esconder atrás das paredes como acabou de fazer agora há pouco. Você me prometeu que sairia com Beatriz e Isabel". Para acompanhar esse momento singular, ele arranca da parede uma bandeira da Guerra da Independência contra o Império Espanhol e entrega a ela. Ela dobra o estandarte e o esconde em seu casaco.

Salvador acompanha a coluna formada por cerca de trinta camaradas o mais próximo possível da saída da calle Morandé. La Payita sai primeiro, ela exibe um tecido branco em sinal de rendição. Voltando ao andar de cima pela escada, Allende não tem tempo de ver os primeiros tiros dos militares contra os seus. Nem os soldados que acabaram de entrar em La Moneda.

14h, Salão da Independência

Uma explosão ressoa. Então, ouve-se uma voz gritar: "o presidente está morto". O Dr. Jirón entra no salão. Em um sofá, um corpo caído ao meio, o crânio arrebentado, uma poça de sangue no chão, uma AK-47 atravessada na almofada. Salvador Allende juntou-se a seu amigo Augusto Olivares realizando o mesmo gesto. Na porta, os militares chegam para ver os restos mortais do presidente caído.

Com sua bota, um soldado esmaga uma armação de óculos já quebrada em duas partes. Ele pega os pedaços do chão e sorri: aqueles estilhaços constituem tudo o que resta do chefe de governo que eles acabaram de derrubar.

Edição: Leandro Melito

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